Logo pela manhã encontrei uma colega de Faculdade. Abraços e beijos e como estás e que velhos que estamos, bem imagina, já lá vão 18 anos… nem quero pensar nisso, tu até já tens cabelos brancos, mas de resto estás na mesma, não envelheces, de certeza que ainda não tens filhos, bem se tivesses estavas como eu, mas já casaste?
Não, não casei, não faz parte dos meus planos.
Ah fazes bem, afinal de contas, como bem aprendemos na faculdade o casamento é um mero contrato, só ajuda no IRS e é às vezes e para os miúdos é mais fácil na escola, se bem que o meu primeiro filho é de um outro casamento, sim já vou no segundo e acho que desta é de vez, deixa-me mostrar-te uma foto dos miúdos, sim este é o meu actual marido, mas afinal vives com alguém?
Não, não vivo com ninguém. Sozinho, como um homenzinho crescido.
Mas namoras?
Não, não namoro.
Formou-se um esgar no seu rosto e soltou a interjeição “ah”.
Fez-se silêncio.
Bem, tenho que ir andando, beijinhos, abraços, temos que combinar um café um dia destes, toma o meu número de telefone. Beijinhos.
Ah.
Ah?
Mas que raio quis ela dizer com ah?
Ainda no outro dia
falava disto com um amigo meu. A nossa sociedade não nos permite ser solteiros. Parece que é inadequado… Já experimentei por várias vezes o olhar de pena por estar sozinho num restaurante ou no cinema. O próprio acto de ir ao supermercado, na caixa, as senhoras olham para nós com aquele ar
pois só levas isto porque és solteiro. Será assim tão indecente, inconveniente, imoral ou anormal ser-se solteiro nesta cidade.
E aquele ah que não me sai da cabeça. Só me apeteceu esbofeteá-la.
O que me preocupa é não perceber porque raio este ah me impressionou assim tanto. Eu sei que me incomoda que pessoas da minha geração sejam tão formatadas pela sociedade. Eu sei que a maioria das pessoas é educado para crescer, casar, ter um emprego, casa e filhos. Mas eu sou uma minoria (dupla ainda por cima, gay e vegetariano).
Assusta-me pensar que este ah me incomoda porque no fundo acho que devia estar a namorar. Mas ao mesmo tempo continua a não fazer parte dos meus planos de vida. Será que depois da minha única relação fechei as portas e me apercebi que perdi a chave e é isso que me incomoda? Ou será que me incomoda que me queiram à força colocar no mesmo saco que toda a gente?
Ah?
Ah.